segunda-feira, 28 de março de 2011

AMOR E PAIXÃO NA MAIOR DESCOBERTA DE DOCUMENTOS DA HISTÓRIA DO BRASIL

Geração traz 94 cartas inéditas do imperador Pedro I à sua amante, a marquesa de Santos, encontradas por um pesquisador independente

No segundo semestre de 2010, foram encontradas quase por acidente, em um obscuro museu nos EUA, nada menos que 94 cartas do imperador Pedro I à sua célebre amante, Domitila de Castro, a marquesa de Santos, escritas entre 1823 e 1827, logo depois desaparecidas e esquecidas.

Paulo Rezzutti, o autor dessa descoberta sem paralelo na nossa história, atribui o achado à intervenção de “Santa Domitila”, cujo túmulo no Cemitério da Consolação é visitado até hoje por moças que vão lá rezar para pedir um marido.

Muito antes, porém, de ser considerada santa por alguns, Domitila de Castro, uma jovem paulista divorciada, teve um envolvimento bastante profano com o primeiro imperador do Brasil, e esse romance proibido foi o grande escândalo de sua época, chegando a repercutir nas cortes europeias. Pois, não contente em trazer a sua amante paulista para a corte no Rio de Janeiro, nomeá-la marquesa e torná-la dama camarista da bondosa imperatriz Leopoldina, dom Pedro ainda fez criar os filhos que teve com Domitila ao lado dos meios-irmãos legítimos.

Essa ruidosa aventura extraconjugal, que constitui o maior romance da nossa história, ficou registrada, em parte, nas cartas que o imperador, assinando como “O Demonão”, escreveu para ela, a quem chamava de “Titília”. Algumas dessas cartas são explícitas a ponto de dom Pedro falar da “tua coisa”, referindo-se ao próprio orgão sexual, e das vicissitudes sofridas por este (carta 70). Em outra ocasião (carta 24) diz que naquela noite irá “aos cofres” de Domitila, eufemismo para aquilo mesmo.

Talvez o mais divertido destas missivas sejam os insistentes protestos de fidelidade do mulherengo coroado, tentando acalmar as crises de ciúme da amante, sobretudo por sabermos que ele teve outras mulheres durante seu caso com Domitila, inclusive a própria irmã desta!

Eu já não namoro a ninguém depois que lhe dei minha palavra de honra, e assim não lhe mereço teus ataques. (carta 50)

Mas os ciúmes dele por Domitila não são menos intensos, a ponto de o Libertador reclamar do número de carruagens na casa da marquesa, que lhe parece suspeito (carta 61).

O lirismo não está ausente nessas confissões tão íntimas:

Ontem mesmo fiz amor de matrimônio para que hoje, se mecê estiver melhor e com disposição, fazer o nosso amor por devoção. (carta 9)

Quase todas as cartas são assinadas pelo “fiel, desvelado, constante e agradecido amante”, mas o vocativo e a assinatura variam conforme a temperatura da paixão. Quando esta se encontra no auge, ela é “Titília” e “Meu amor”, ele é “O Demonão” ou “Fogo Foguinho”; à medida que vai esfriando, ele passa a ser “O Imperador” e “Pedro”, enquanto ela se torna “Filha” e “Querida Marquesa”.

Não só a transcrição das cartas pelo Paulo Rezzutti é impecável, como também o são os comentários com que ele as explica e lhes dá contexto, proporcionando ao leitor uma aula enriquecedora e muitíssimo agradável sobre um dos períodos — e sobre alguns dos personagens — mais fascinantes da nossa História.

Além das 94 cartas descobertas por ele na Hispanic Society of America, em Nova Iorque, 17 foram acrescentadas no final deste livro como anexos, algumas inéditas, outras não, todas transcritas diretamente dos originais, corrigindo inexatidões anteriores. Entre esses anexos estão algumas das poucas cartas de Domitila para d. Pedro de que temos notícia. Ilustrado, o volume contém também uma cronologia, índice onomástico e índice de lugares.

Constatar a profunda humanidade do imperador do Brasil é o maior deleite que a leitura de suas cartas à amante proporciona. Muitas poderiam ter sido escritas por qualquer plebeu à sua namorada. Por diversas vezes o soberano pergunta simplesmente como ela tem passado, ora anuncia que irá vê-la à noite, ou que está lhe mandando frutas, flores, goiabada ou “bolos de cutia” (carta 26). Também comenta o tempo todo, pai carinhoso que é, sobre a saúde dos filhos, tanto os legítimos quanto os bastardos.

Desse estilo nada protocolar, totalmente informal e gramaticalmente deficiente do monarca, jorra um manancial de fatos históricos (devidamente identificados e esclarecidos nos comentários), além de descortinar, por meio dos detalhes prosaicos, um rico painel da vida cotidiana e dos costumes do Brasil durante o Primeiro Reinado.

Já em vida, dom Pedro I e a marquesa foram vítimas de muita calúnia e difamação, acusados até de terem assassinado a gentil imperatriz Leopoldina (ver anexo 12). Após a proclamação da República, em 1889, durante o processo positivista de demonização da monarquia e da família imperial, dom Pedro foi reduzido a um maníaco sexual, amalucado e epilético, e a marquesa de Santos a uma oportunista que atuava nos bastidores do poder como uma espécie de madame Pompadour tupiniquim.

Mais que qualquer coletânea de cartas de dom Pedro publicadas antes, esta edição derruba tais exageros, simplificações e distorções da realidade. Por exemplo, sobre o mito de que a marquesa manipulava o soberano, ele mesmo desmente tal visão ao se desculpar, numa carta (a de número 29) por não poder atender ao pedido da amante de nomear certo amigo dela para um cargo no Exército. E em outra contribuição importante para o estudo do Primeiro Reinado, este livro sugere que a última carta de dona Leopoldina — em que a imperatriz agonizante acusa Pedro e Domitila de haverem causado a sua morte — foi provavelmente forjada pelos inimigos do imperador à época de sua abdicação.

Doravante nenhum estudo abrangente sobre o Libertador do Brasil poderá prescindir do exame destas cartas inéditas, escritas sob o calor das mais humanas emoções — o amor e a paixão — por um dos mais humanos vultos da nossa História.

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